terça-feira, 3 de abril de 2018

Entrevista a Mário Valente - Parte 1

Conseguimos falar com Mário Valente, uma figura de referência no panorama nacional da informática, um empreendedor com uma longa carreira, já com vários projectos ligados à área dos videojogos.

Começou a programar jogos e a fazer música no Spectrum e Commodore 64, fez a música do jogo Kraal para Spectrum que saiu em 1990 pela Hewson Consultants (produzido por Rui Tito), foi um dos pioneiros na introdução da internet em Portugal criando o primeiro ISP português - o Esotérica, foi responsável pela modernização administrativa do Ministério da Justiça, produtor executivo do remake do Deus Ex Machina e mais recentemente um dos fundadores da primeira associação portuguesa dedicada a bitcoins e à blockchain, entre muitas outras coisas.

Tal como muitos outros, teve como principal motivação para a escolha da sua área profissional o ZX Spectrum e os seus videojogos. Por isso, passámos algum tempo com ele e pudemos saber um pouco mais sobre as suas origens, o seu trabalho na área e algumas histórias interessantes que merecem com toda a certeza ser preservadas para a posteridade.

Esta será a primeira parte da entrevista, dedicada às suas origens no Spectrum, passando pelos videojogos e pirataria. Seguir-se-ão outras duas partes, respectivamente dedicadas aos primórdios da internet em Portugal e ao remake do Deus Ex Machina e Spectrum Next.

Decidimos, ao invés de seguir com o típico formato de pergunta-resposta, deixar falar o nosso entrevistado a partir de alguns temas que demos, porque consideramos que sem as restrições impostas pelas perguntas e através de uma conversa informal, conseguimos ter acesso a muito mais informações e tornar a leitura mais agradável para os nossos seguidores.

Introdução aos videojogos

Eu nasci em Vila Real, Trás-os-montes e só vim de lá para Lisboa aos 12 anos em 1980. Algures em 78 ou 79, talvez, vim com os meus pais a Lisboa, fomos à feira popular e eu tive a oportunidade de pela primeira vez entrar num salão de jogos e encontrar jogos de arcade.

[Vi] Space Invaders, Pac-Man, Pong, Asteroids e aquilo fascinou-me. Só que eu vivia em Trás-os-Montes e em Vila Real na altura não havia rigorosamente nada daquilo. Um ano ou dois depois, o meu pai foi destacado para Lisboa, eu era miúdo e tinha 12 anos, portanto, os meus pais não me permitiam propriamente ir para salões de jogos, etc.

Mas eu tinha aquele bichinho e como com os meus pais ia de vez em quando à feira popular eu acabava sempre por jogar um joguinho. 25 tostões, 2 escudos e 50 centavos era o que custava na altura e assim fui mantendo o interesse.

(Salão de jogos da feira popular nos anos 90, já que não conseguimos encontrar fotos anteriores)

O primeiro computador

Aos 14 anos, em 81/82, um vizinho meu (…) compra um ZX 81, o antecessor do Spectrum, com 1 Kb de memória – 1024 bytes, era “a loucura total”.

Ele mostrou-mo e [disse] “Queres ver? Isto é um computador, dá para programar e até tem alguns jogos”. Eram uns jogos um bocado primários, mas tinha lá o Pac-Man e o Space Invaders e aquilo fascinou-me. [Pensei -] se isto é programável e isto tem jogos, é porque os jogos precisam de ser programados, então como é que se programam os jogos?

(Space Invaders para ZX81)

Foi esse logo o meu interesse. Acabei por comprar um ZX 81 que foi com o que eu comecei a programar com 13/14 anos. Devo ter tido o Zx81 pelo menos durante um ano porque logo a seguir saiu o Spectrum em ’82. Eu comecei a ir muito aqui às lojas em Lisboa às lojas de informática, (…) a Triudus entre elas mas em particular a Landry que era quem representava a Sinclair e vendia o ZX 81.

Quando sai o Zx Spectrum, eu compro um logo em ‘82, início de ’83 e o meu interesse começa aí na informática, por essa área, pelos jogos, por saber como se programavam os jogos, foi sempre [esse] o meu interesse original.

Nesses anos que vão de ’82 até ‘87/’88, talvez, eu estou muito ligado a essa área de jogos nos micros. Primeiro tenho o ZX 81, depois tenho o Spectrum, comprei um Commodore 64 e depois é que passei para os PC's. Sempre fui fazendo coisas nessa área, comecei a tentar fazer jogos com amigos, primeiro no Spectrum, depois no Commodore 64, muito ligado a essa área.

A pirataria

Fazia também muita pirataria de jogos, era a minha actividade principal. As lojas de jogos cá em Lisboa traziam os jogos de Inglaterra e era difícil duplicar a cassete porque traziam sistemas de copy-protection. Eu “rebentava” os sistemas de copy-protection e fazia uma cassete pronta a duplicar. Portanto tinha acesso a todos os jogos, a todas as aplicações, ganhava dinheiro, um “puto” com 16 anos [já] ganhava bom dinheiro.

(ecrã de um dos jogos modificados pelo nosso entrevistado)

Trabalhei fundamentalmente para uma loja que havia no centro Comercial da Portela. Já apanhaste alguma [cassete] que antes de carregar o jogo carregasse primeiro uns quadros gráficos, nomeadamente com as instruções dos jogos e as teclas? Essas foram quase todas escritas por mim. Quando eu crackeava as copy-protections, púnhamos também um loader inicial em que eu traduzia basicamente as instruções que vinham com os jogos.

(instruções traduzidas e escritas pelo nosso entrevistado)

Escrevia o texto em português, dizia quais eram as teclas, se bem me recordo tipicamente em fundo preto com letras brancas e só depois é que o jogo carregava. Portanto a pessoa tinha a oportunidade de parar a cassete e poder ler as instruções.

Desenvolvimento de jogos e a música

Fazia muito isso, tentava [também] desenvolver jogos, fizemos [até] alguns protótipos de vários jogos, daqueles típicos (Pac-man, Rally X, Space Invaders…). Nunca acabámos por fazer nada a sério, depois passámos para o Commodore 64, mas foi isso que acabou por me levar através das lojas, a ter contacto com o Rui Tito e a termos colaborado.

Eu entretanto tinha também começado a tocar, eu já tinha aprendido a tocar piano em puto, mas tinha começado também uma banda de rock no liceu e andei inclusivamente durante alguns anos nos bares em Lisboa com a minha banda.

Recordo-me de estarmos [eu e o Rui Tito] a falar:
-“Nós estamos a fazer jogos.”
-“Pois nós também”
-“Ainda não editámos, nós vamos editar (…) o difícil é arranjar música”
-“Mas eu sou músico, [isso] eu faço!”
-“Ai é? Então e se te arranjar um Spectrum?" (e na altura o Rui Tito arranjou-me um Spectrum + ou 128 K, já com chip de som).

(Ecrã de Klimax onde se pode ver Mário Valente creditado na parte da música)

Na altura compus o som, o soundtrack para o jogo dele que estava a desenvolver na altura e foi esta a história. Acho que foi composto com o Music Box. Muita gente fazia com teclas (usando um tracker), mas eu tinha um adaptador para o Commodore 64, era um teclado especial que se colocava em cima do teclado do Commodore 64 e transformava-o com umas teclas de piano. Usei na altura isso para fazer o input das notas.

A track foi composta no Commodore 64, as notas, digamos, a melodia e depois passei-a para o Spectrum para o Music Box, salvo erro foi isso que fiz na altura.

Sem dúvida [que com o SID] faziam-se coisas extraordinárias. O meu Commodore 64 ainda funciona, o meu problema é que eu tenho tudo o que fiz em disquetes de 5 ¼ e o meu drive, o 1541 queimou, deixou de funcionar.

Esperamos que tenham gostado deste regresso ao passado e que fiquem atentos às próximas partes da entrevista, que serão colocados online em breve.

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